Perfil│Emilia e a imaginação

por: Adele Lazarin

EmiliaFoto: Camila Fontenele de Miranda

Conheço a Emilia Simon há alguns anos. Vivemos nesse quase mundinho próprio chamado Jaó, bairro que, para mim, engloba todos os outros setores do entorno e une tanto espaço quanto moradores. Une, principalmente, amigos. Nós temos muitos amigos em comum, eu e Emilia. Amigos queridos que são nossa família também, de certa forma. Mesmo assim, lamento dizer que nunca fomos muito próximas; nossas conversas sempre foram poucas e ladeadas por essas mesmas pessoas queridas. 

Acho que vi a Emilia pela primeira vez na escola, algo entre ensino fundamental e médio. Ela pertencia a uma turma mais avançada que a minha. Eu, com os meus olhos ainda infantis, observava deslumbrada os alunos mais velhos, tão cheios de vida e cheios de si. Emilia era um desses espíritos livres que circulava pelo pátio, dona da própria vontade, mas sem a arrogância natural àqueles que se creem certos daquilo que são ou querem. Eu, tão tímida e reclusa, sonhava em poder ser leve como ela.

Há algumas semanas, encontrei-me com Emilia no Milagre dos Peixes, ponto de encontro entre amigos e centro de cultura e artes do Jaó. Ela me recebeu coberta em simpatia e feliz por tomar parte em um projeto tão importante para nós como é a Compota. Assim como nós, Emilia acredita em trabalhar com aquilo pelo qual se é apaixonado; em trabalhar não apenas por trabalhar, mas para também fazer valer o dia e, ao final, se ver com alma renovada. Trabalhar com algo que faz bem a si mesmo.

emiliapessoasimaginariasEmilia tem como paixão a arte. Com 28 anos e formada em Design de Moda pela Universidade Federal de Goiás (UFG), ela molda os seus dias entre suas criações artísticas e os trabalhos que realiza como freelancer para a Anunciação, marca goiana de roupas, onde faz a parte gráfica e de web design. Voltou recentemente de São Paulo, onde morou por algum tempo e fez o curso de Especialização em Cenografia e Figurino na Faculdade de Belas Artes.

Embora tenha estudado moda na faculdade, Emilia afirma que gosta mesmo é de trabalhar com a criação artística. Ela se descobriu interessada por arte ainda criança, incentivada pelos pais arquitetos. A família sempre gostou muito de viajar e conhecer os museus por onde passavam. Além de incentivar o gosto da filha por arte, os pais continuam a apoiar a trajetória escolhida por Emilia até hoje. Ela, que desde pequena se divertia desenhando, conta entre risadas que o pai ainda guarda desenhos seus feitos há muito tempo.

Emilia é uma mistura de tudo aquilo que gosta e vê. Ela flui por entre os vários estilos e formas, não pertencendo a um, mas fazendo parte de todos. Além do desenho, ela se se dedica à aquarela, pintura, colagem, gravura, xilogravura. E em alguns casos ela junta tudo isso. No momento ela tem gostado de trabalhar com pintura misturada à colagem e tem um especial apreço por papel, mas não se sente tão entusiasmada ao criar em tela. Diz que prefere coisas mais rápidas, práticas, e acaba por desistir no meio de uma obra feita em tela, justamente por demandar mais tempo.

Assim como ela mesma, sua arte é bem livre. As coisas simplesmente acontecem. Enquanto sua mão trabalha, suas ideias vão fluindo, vão fluindo e, antes que perceba, a obra está pronta. Sem planos ou regras. Uma produção espontânea e, é claro, única. Emilia tem como inspiração todo o mundo que está a sua volta. Uma cor, uma fotografia ou um livro podem transformar-se em ideias e então em criações singulares. A experiência que ela ganha de seu cotidiano passa a ser transformada em arte.

Em sua paixão pela arte, Emilia também se apaixona pela arte dos outros. Hoje ela participa do Fake Fake, coletivo goiano liderado pela também artista visual Sophia Pinheiro. O grupo busca unir artistas para divulgarem seus trabalhos em exposições, além de realizar outros tipos de eventos, como workshops, sempre procurando agregar a comunidade e incentivar a produção artística e cultural. Para Emilia, é importante que exista essa cooperação e trabalho coletivo entre artistas, pois é uma das melhores formas que eles têm para crescer e para que suas obras ganhem conhecimento do público.

O Milagre dos Peixes, comandado pela família de Emilia, também tem em seu propósito valorizar o trabalho realizado por artistas locais. Ao longo do ano, são realizados diversos bazares no local onde os artistas podem expor e vender suas obras. É possível encontrar de tudo: pinturas, fotografias, zines, canecas, desenhos, acessórios, camisetas, lingeries… enfim, muita coisa.

Emilia diz que a ideia era criar uma feirinha de artes, mas ainda não existe um público grande e cativo para esse tipo de evento, então surgiu emiliajardima ideia dos bazares. Com isso, eles pretendem informar o público e, quem sabe, promover a formação e educação de pessoas com relação à apreciação e consumo de produções artísticas. Emilia diz que já é algo que vem crescendo, muitas pessoas estão procurando o bazar interessadas em participar e vender seus trabalhos. Para ela, as experiências mais ricas obtidas com esses encontros são as conversas, intercâmbio de ideias e de histórias e até mesmo a troca de obras entre artistas.

No entanto, ainda existe uma barreira muito grande em Goiânia com relação ao interesse público pelo trabalho artístico. Ou à própria valorização dele. Eventos como bazares, exposições e workshops são também a oportunidade de conversar com pessoas e tentar promover uma educação sobre a obra de arte. “Eu queira vender um desenho A3 por 150 reais em um bazar e eu acho muito barato, mas uma menina me disse que estava caro”, conta Emilia. “No entanto, você vai à Zara e paga 150 reais numa blusa que foi feita na China e igual a milhares que têm por aí e você acha barato”.

Para Emilia, existe uma desvalorização muito grande das produções artísticas em Goiânia, criações que são únicas e às vezes trabalhos de uma vida inteira. “Mas não sei também se a culpa é toda da população, porque também não existe incentivo. Poucas escolas hoje têm aula de artes e quando tem é só de brincadeira. Não existe essa cultura da arte aqui, de apreciar e pensar sobre ela. E são pequenas ações de vários grupos que podem conseguir mudar esse rumo”.

Falando em pequenas ações, Emilia e Sophia se uniram no ano passado para fazer uma intervenção urbana. As duas artistas possuem uma linguagem parecida, com muita cor e desenho. Com um grande sorriso, Emilia conta como colaram alguns lambe-lambes pela cidade: “Desenhamos alguns bonecos, recortamos algumas partes deles e fizemos uma colagem. Misturamos os bonecos, colocamos os braços do meu bonequinho no corpo do dela”. Lembrando-se da recepção do público, Emilia ri e diz que as pessoas gostaram bastante e que as duas pretendem dar continuidade ao projeto.

Agora Emilia começa uma nova fase em sua vida. E está muito empolgada com isso. Recentemente foi aprovada no concurso pra professor do curso de Design de Moda da UFG e irá ministrar aulas de desenho digital e de desenvolvimento de coleção. Emilia já deu um curso de férias para crianças sobre experimentação artística no Milagre dos Peixes e algumas lições particulares. Essa será a primeira vez que dará aula para uma turma tão grande e já adulta, mas ela se sente bem tranquila com relação a isso. “Aula de desenho é bem a minha praia”.

Mais do que apenas feliz, Emilia está bem satisfeita com os caminhos que sua vida tem tomado.

Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho da Emilia Simon, visite a página dela: www.emiliasimon.com

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